Escutar para mudar

A rotina da sala de aula está arraigada em espaços de aprendizagem e sentimentos diversos. Certo dia de 2010, num momento de fúria, veio a bronca em meus alunos por falarem alto demais numa situação que julguei inapropriada. Eu já havia esbravejado alguns sermões quando um dos grandes pequenos veio até minha mesa e disse: “O senhor deve estar de saco cheio da gente, né?”. Óbvio que a resposta estava na ponta da língua, mas ele continuou: “Já imaginou que podemos estar de saco cheio do senhor também?”. Como se tivesse levado um baita soco, me endireitei na cadeira, engoli a resposta que queria dar e pedi – com toda a rispidez que se possa imaginar – para que se sentasse. Ele atendeu ao meu pedido e, enquanto o silêncio pairava no ar, fui até a sala ao lado contar à uma colega o que tinha acabado de escutar daquele aluno atrevido de 5º ano. Aos risos, a professora me devolveu um simples: “Ele está errado?”. Certamente não era o consolo que eu buscava, mas retornei para a sala um pouco mais calmo e perguntei aos alunos como estava sendo o nosso dia e sobre tudo o que levou às broncas, o que acabou gerando uma reflexão sobre o próprio andamento das aulas. Como eles tinham o que falar! Garanto que a conversa foi um tanto tensa e provocadora, mas muito positiva.

Ouvir os alunos é sempre uma grande questão para qualquer educador. Requer aceitação, quebra de paradigmas, revisão de práticas e, acima de tudo, reconhecer-se também como um sujeito que aprende ao passo que ensina. São vários os autores que apresentam a autoavaliação como uma ação de ressignificação da prática educativa imprescindível para um trabalho de sucesso. Mas a dúvida que sempre surge é sobre como fazer – muito embora a preocupação devesse ser sobre o que fazer com isso.

É possível encontrar alguns modelos de autoavaliação em sites de pesquisa, mas é preciso considerar o quanto eles estão relacionados com as suas necessidades e às de suas turmas, tendo em vista que o objetivo de uma autoavaliação é identificar as demandas específicas de um determinado grupo. Claro que modelos e trabalhos realizados por outras pessoas são sempre bem-vindos para o pontapé inicial de um novo projeto ou para complementar aquilo que já está sendo feito, mas é importante ponderar o que lhe atende no momento e incluir o que for necessário.

Após muita conversa com meus alunos, por exemplo, senti a necessidade de registrar as discussões. Então, num outro momento, propus uma avaliação escrita na qual eles poderiam dizer como se saíram durante o bimestre, em quais assuntos abordados em sala tiveram mais dificuldade, quais gostariam que fossem retomados no bimestre seguinte, quais temas mais gostaram, como foi o trabalho do professor, o que mais gostaram nas aulas, o que poderia ter acontecido de outra maneira e o que poderia ser proposto como objeto de estudo para o novo ciclo que começaria. Para ser sincero, fiquei frustrado com a primeira experiência, já que alguns não conseguiram expressar nas avaliações o que eu esperava ler. Mas é necessário prática para chegar à excelência. Por fim, os registros serviram para rever meu planejamento e as abordagens em sala – inclusive no tratamento com os alunos e vice-versa.

A autoavaliação se mostra reveladora porque também evidencia os pontos fracos. Tive que deixar de lado todas as minhas vaidades adquiridas com o título de professor, de ensinante, de pedagogo, daquele capacitado para apontar o que os alunos precisam aprender. Afinal, quando se propõe uma autoavaliação, se propõe uma mudança que atinge a todos positivamente. Todo tipo de registro que se faça deve ser retomado e revisitado a todo instante. É por meio dessas anotações e tabulações que se pode comparar as mudanças ocorridas e constatar se o objetivo almejado foi alcançado. Certamente, é necessário que essa conduta seja adotada constantemente para que bons resultados apareçam. É imprescindível avaliar e comparar todas as devolutivas e ressignificar a prática educativa. O intuito é melhorar as relações e estabelecer as aprendizagens da maneira mais assertiva possível, deixando de lado quem errou e acertou, preocupando-se apenas com uma educação de qualidade. Essa, sem dúvida nenhuma, foi uma das grandes surpresas e mudanças que tive ao longo da carreira – e estou certo de que ainda virão mais!


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Leonardo Rodrigues
Diretor de escola no município de Caieiras. Natural de São Paulo, cursou magistério, pedagogia, psicopedagogia além de diversos cursos voltados para formação pedagógica e gestão de pessoas. A paixão pela educação vem desde muito cedo. Trabalha há 14 anos por uma educação de qualidade atuando como professor e coordenador pedagógico em escolas da Rede Estadual de Ensino de São Paulo e alguns municípios da Grande São Paulo. Acredita que a formação docente é o caminho para levar o aluno à excelência de sua aprendizagem. Esta à frente de uma escola de ensino fundamental que atende alunos do 1º ao 5º ano e ministra aulas para a Educação de Jovens e Adultos no município de Franco da Rocha. Divide seu tempo entre trabalho e viagens de lazer onde aproveita para conhecer o contexto educacional nos diferentes lugares do país.

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