Nível socioeconômico é fator de desigualdade entre escolas públicas, diz estudo

“É quase impossível garantir o mesmo nível de aprendizado para alunos de alto e baixo nível socioeconômico.”

Você já leu esta frase em outro artigo publicado aqui no Blog do QEdu falando sobre o assunto. Hoje, vamos falar novamente sobre o tema, agora sob outro ponto de vista. Este é o segundo artigo da série “Desigualdade entre as escolas públicas do Brasil”, produzido com base na pesquisa de Isabel Opice e Gabriel Correa.

Nível de renda e desempenho acadêmico

A condição socioeconômica das famílias exerce influência no aprendizado de diversas formas, como um menor acesso a atividades que estimulem o estudo, exposição a um vocabulário mais enxuto ou ainda falta de habilidade dos pais para incentivarem a presença dos filhos nas escolas. Esta correlação entre o nível de renda dos alunos e o desempenho acadêmico já é, aliás, um fato apontado pela literatura de economia da educação.

Para os pesquisados, é relevante, portanto, analisar essas diferenças entre os alunos das escolas que possuem as melhores e piores notas na Prova Brasil, para se ter uma visão das realidades distintas em que se encontram. Além disso, entender como essas diferenças evoluíram desde 2007 pode ajudar a explicar as divergências existentes entre os níveis de aprendizado.

Para realizar tal comparação, no entanto, não existe uma pergunta específica sobre o nível de renda dos alunos nos questionários aplicados conjuntamente à Prova Brasil. Porém, há diversas questões que detalham posses das famílias, tais como número de televisores, computadores e automóveis na residência. A partir dessa informação, Opice e Correa construíram um indicador baseado no Critério Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep). O gráfico abaixo mostra o valor do indicador por decil para os anos de 2007 e de 2013.

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A informação disponível deixa clara a divergência nos níveis socioeconômicos entre os alunos de cada grupo de escola. Observando os dados de 2013, nota-se que as escolas no 10º decil – grupo das instituições com maiores notas na Prova Brasil – estão 47% acima no Critério Brasil. Comparando com 2007, percebe-se que houve evolução do nível socioeconômico de alunos de todos os decis, mas a diferença entre decis persiste elevada. Em resumo, a figura apresentada deixa nítido que o nível socioeconômico dos alunos das piores escolar é consideravelmente inferior ao dos alunos das melhores escolas.

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Outra característica importante na determinação do aprendizado dos jovens é a escolaridade dos pais.

Outra característica importante na determinação do aprendizado dos jovens é a escolaridade dos pais.

Quando se analisa os dados para compararmos a realidade das escolas do 1º e 10º decil de notas, percebe-se que proporção de mães que completaram o ensino superior nas piores escolas é 2,9%, enquanto que nas melhores escolas essa proporção é de 13,6%. Em relação às mães que completaram o ensino médio, os valores são 3,1% e 15,7%, respectivamente.

Portanto, observando dados socioeconômicos dos alunos e nível de educação de seus pais, conclui-se que alunos das escolas que estão no 1º decil – grupo das instituições com a menores médias na Prova Brasil – já apresentam relevantes desvantagens antes mesmo de iniciarem a vida escolar. “Algumas ações poderiam atenuar os impactos dessas diferenças, como programas voltados a aumentar a escolaridade dos pais por meio de educação para jovens e adultos ou a auxiliá-los a interagir de maneira mais rica com seus filhos, ensinando estratégias que incentivem o engajamento com o aprendizado das crianças”, afirmam os autores.

Evolução das médias

É importante apontar que a divisão por decil de nota faz com que não acompanhemos os mesmos grupos de escolas ao longo dos anos”, lembram os autores. As escolas que estavam no 1º decil em 2007 não permaneceram necessariamente nessa posição até 2013. Embora fique claro que há um aumento da diferença de nota desses dois grupos, não podemos inferir que as escolas com piores notas nos primeiros anos não melhoraram seus resultados.

“Ainda assim, é surpreendente que alunos que estavam nas piores escolas brasileiras em 2013 estão recebendo educação em nível inferior ao que alunos que estavam nas piores escolas brasileiras seis anos antes.”

Para ter uma visão de como as escolas estão evoluindo, uma questão interessante é: como evoluíram os resultados das escolas que estavam no 1° e 10° decil de 2007 até a última avaliação, em 2013? A tabela abaixo mostra essa evolução.

tabela

“Nota-se que é significativa a proporção de escolas com piores resultados que deixam de constar na avaliação nos anos seguintes. Os motivos para que isso ocorra podem ser tanto porque a unidade deixou de existir quanto porque parou de ser avaliada por não atingir o número mínimo de 20 alunos matriculados no 5° ano do ensino fundamental.”

Em 2013, 31% das escolas que estavam entre as piores em 2007 já não aparecem no Censo Escolar. Além disso, 33% das piores escolas de 2007 estavam em 2013 no 1º ou 2º decis (entre as 20% piores). Ou seja, passados seis anos, essas instituições se mantêm em posições relativas semelhantes, oferecendo baixíssima qualidade de ensino.

Para as escolas do 10° decil, os pesquisadores perceberam que muitas se mantêm entre as melhores do país durante o período considerado, sendo que mais de 60% das escolas no melhor decil em 2007 permanecem entre as 20% com maiores notas em 2013.

“As observações feitas remetem ao termo “Armadilha da Pobreza”, introduzido pelo economista Jeffrey Sachs para se referir aos mecanismos que impossibilitam os países mais pobres de crescerem e melhorarem seus indicadores sociais. A ideia é que, quando um país atinge um nível de pobreza avançado, tal situação se retroalimenta de maneira que, sem interferência de outras nações e agências internacionais, o mesmo dificilmente superará sua situação. Considerando a dificuldade das escolas públicas brasileiras do 1° decil de subir na escada do desempenho e fazendo uma analogia à escada do desenvolvimento apresentada por Sachs, poderíamos pensar na criação de programas governamentais específicos para essas escolas, uma vez que é extremamente improvável que elas melhorem por conta própria. Para avançar nessa ideia, um insumo importante é um diagnóstico um pouco mais detalhado das diferenças entre as melhores e piores escolas públicas brasileiras de ensino fundamental.”

Veja no próximo artigo desta série como as diferenças regionais e as características das escolas, professores e diretores influenciam no desempenho dos alunos das escolas públicas.


Jornalista que adora e vive das mídias sociais e da comunicação na internet. Paraense tomador de açaí. Curioso que aprende por aprender, porque há poucas coisas melhores do que a satisfação de aprender de tudo um pouco e ser cheio de cultura inútil.

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